
Que capoeirista não se viu, em algum momento de sua formação, tentado a expressar, em poucas palavras, o que é a capoeira? Qual de nós nunca ouviu de alguém a pergunta: “Capoeira é luta ou é dança?”.
Cada vez que lidamos com situações dessa natureza enfrentamos o desafio de precisar traduzir em palavras o que talvez só quem frequenta rodas de verdade consiga sentir. Aquela sensação de que estamos no limiar entre o jogo e a luta; no exercício de um diálogo em que cada palavra, ou melhor, cada gesto, é determinante para o desenrolar da conversa. Qualquer movimento, intencional ou não, tem o poder de determinar o que se seguirá, fazendo com que o jogo seja o resultado de inúmeras variáveis e, em essência, imprevisível.
Nesse sentido, a capoeira, por sua própria natureza, representa uma negação da maioria dos padrões que regem nossas vidas. Se estamos em um mundo em que estão rigorosamente separados os momentos do trabalho e do lazer, da arte e da luta, da integração e do conflito, a capoeira surge para subverter essa ordem. Nela, as diferenças se integram, e arte e luta dividem o mesmo universo e o mesmo momento.
Não há dúvida de que essa característica, que integra os opostos e traz a dimensão da dança e do folguedo para todas as instâncias da vida, remete às heranças culturais africanas. Esse, um dos principais patrimônios que recebemos de nossos ancestrais, a capacidade de lidar com a realidade de maneira menos formal e planejada do que a maioria dos povos ocidentais. As matrizes africanas da capoeira nos legaram essa habilidade de navegar pelos contextos sociais e culturais, de transitar por cenários diferentes e, deles, extrair o que melhor se apresenta para nossas vidas.
Assim, quando tentamos explicar o que é capoeira, nossos comentários vão da simplicidade da descrição dos movimentos corporais da luta até o conteúdo místico e malicioso da capoeiragem. Passando pela poesia, pela ritualística e pelas cantigas que enchem nossas rodas de energia e significados. Outros já preferem explicar a capoeira por seus efeitos sobre aqueles que a praticam, por seu poder de qualificar e transformar os indivíduos.
Talvez essa dificuldade de definição, essa face mutável e intangível seja a verdadeira natureza, e riqueza, da nossa arte.
Mestre Luiz Renato
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